O ESPLENDOR DO ZÊNITE
Olá, eu sou João Martins e contarei aqui minha história de vida até chegar onde cheguei.
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No dia 12 de abril de 1987 eu nasci em Chaves, norte de Portugal. No verão de 1988 um enorme incêndio florestal devastou a região e destruiu nosso terreno onde era criado ovelhas e cabritos, era o ganha-pão da nossa família, juntamos os cacos e recomeçamos em Pontevedra, província na Galícia, Espanha. Lá eu cresci, estudei e aprendi a língua galega além do espanhol, sem falar no português que meus pais me ensinaram.
Minha infância foi tranquila e logo cedo me viciei em futebol, desde os 6 anos de idade não pensava em outra coisa. Nunca tive apoio dos meus pais, que preferiam que eu estudasse e/ou ajudasse na roça. Dos 8 aos 12 anos jogava bola em uma escolinha de futebol no bairro, até que um rapaz de óculos escuros chegou em um dia de treino junto do nosso professor nos prometendo um campeonato, que os melhores teriam chance de ser chamados para testes em grandes clubes como o Celta de Vigo e Deportivo La Coruña, fiquei mais nervoso que ansioso.
Logo o nosso time tava formado, éramos o Ouro Fútbol, o campeonato foi em Moaña e tinha a participação de 12 equipes, todas sub-13, o regulamento ditou 3 grupos de 4, os primeiros passavam e o melhor segundo também. Na primeira partida, fomos completamente envolvidos pelo time local, perdemos por 5x0, quatro gols marcados por um menino franzino chamado Iago, mais tarde eu o conheceria melhor. O choque de realidade foi imenso, nosso time seria o saco de pancadas, eu jamais seria alguém... Na segunda rodada, enfrentamos outro time derrotado na primeira rodada, dessa vez conseguimos uma vitória por 6x5 (normal placares elásticos em partidas mirins), porém o maior detalhe dessa partida foi o fato da minha péssima atuação, nos treinos eu jogava tão bem... fato é que o meu amigo Jonathan chamou a responsabilidade e marcou 4 vezes, eu fui sacado e assisti de fora maior parte do jogo. Na terceira ocasião, o treinador marcou conosco domingo na rua do campo da escolinha às 7 horas, e encararíamos duas horas de van até Moaña, como vinha sendo... uma vitória contra o Estrella nos colocaria com 6 pontos e ultrapassaríamos eles, nosso sentimento era de desconfiança; o time que nós vencemos, eles haviam vencido por 8x0, o que perdemos por 5, eles perderam por 3x2. Acontece que eu vinha desanimado e distraído, além disso meus pais nunca me apoiaram como já disse, eu acordei no domingo com minha mãe lavando o chão do quarto, o relógio marcava 9:30h, veio a lembrança e o desespero... perdi a possível maior e última chance da minha vida no futebol, afinal com certeza seríamos eliminados hoje, voltei a deitar e as lágrimas escorriam no meu rosto. No meu bairro, diante dos amigos, responsáveis e do professor sempre fui tratado como uma joia e destaque do time, eu era de fundamental importância, mesmo diante das minhas frustrantes atuações. Segunda-feira chegou e teria que reencontrar meus amigos na escola, encontrei Jonathan e ele me viu com surpresa e até preocupação: "Onde você tava?", eu estranhei um olhar feliz, mas depois pude entender, estávamos classificados para as semifinais, vencemos por 4x1 e passamos como melhor 2º, só que o único ponto negativo era que o professor estava uma fera comigo. Chegado o treino de mais tarde, ele cobrou explicações e a única coisa que me veio na mente era que tive que ajudar meu pai em serviço na roça, como ele não tinha contato com meus pais, jamais saberia se era verdade, e não era. Minha promessa comigo mesmo era que chegou o momento da reinvenção, parece que Deus me deu uma segunda chance. Treinei o dia todo sob elogios e motivacional do professor, fim de semana teria que ser o dia do desencanto. E foi! Chegado sábado enfrentamos o Valença FC, nunca havia me sentido tão bem para jogar, o nervosismo dos primeiros jogos não existia mais, na vitória por 6x2 eu marquei 5 e dei assistência para o Jonathan fazer o dele, me destaquei e chegamos à final renovados. Domingo chegou a notícia do nosso adversário, era o Celeste, o mesmo que nos venceu na estreia, venceu não, destroçou. O senhor do óculos escuros apareceu novamente durante a semana para nos parabenizar e garantiu a presença de olheiros, além disso ele passou um cartão para mim e para Jonathan, agora descobri que seu nome era Manuel Ouriño, e ele era empresário e assessor.
Estávamos motivados para a revanche, e eu estava revigorado, pronto para a ascensão no futebol, era ali a oportunidade de despontar. Apito inicial e dava pra perceber que o Celeste estava em outro nível, parecia um time de federados e tinham um entrosamento absurdo, todos eram bons, ao contrário de nós que tínhamos defeitos em algumas posições. Aquele Iago abriu o placar no início - "que moleque chato" - a bronca foi grande e corremos atrás, empatei o jogo recebendo livre na área, esse foi fácil, mas o Iago era endiabrado, driblou 3 antes de desempatar novamente, parecia o Ronaldo ou seria o Mostovoi?, me senti desafiado, driblei 2 zagueiros e fui derrubado, caí e peguei a bola, pênalti, sem discussão bati e empatei de novo. Já no segundo tempo, Iago chegou ao terceiro, eu empatei novamente em chute do bico da área, lindo gol, mas aí teve uma estrela que brilhou mais, Iago marcou mais duas vezes, chegando ao 5º no jogo e incríveis 19 no campeonato (em 5 jogos), fim de jogo, 5x3, fomos vice e caí exausto, demos tudo. Porém, ficou evidente dois nomes nessa final, Iago e João, "qual é o nome de vocês?" perguntou um rapaz que nos chamou com o troféu de MVP ouro e prata respectivamente, "João" respondi, "Apellido chicos, assim vocês ficarão conhecidos", "Martins" respondi logo ansioso, "Aspas" respondeu Iago, "quero que vocês apareçam em Bouzas amanhã com seus responsáveis" exigiu o rapaz. Assim começava uma história que ainda tinha muito por se desenrolar...
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18 de julho, o ano era 1999, domingo de manhã e o verão já castigava, avisei meu pai que precisava estar em Bouzas e ele contatou um tio meu que morava em Vigo, meu tio Sergio me levou com ele até o endereço do Club Rápido de Bouzas, era onde estava marcado. Lá pude sentir pela primeira vez o clima de um clube de verdade, assinei um papel e me federei pelo clube, porém como morava longe e não tinha condições de fazer uma mudança, o diretor desportivo do clube fez questão de me apresentar o alojamento do clube e eu seria matriculado em uma escola local para o segundo semestre, era o início de uma nova vida, a vida do futebol.
O tempo foi passando e fui me familiarizando com meu clube e novo lar. Como recém chegados, dividi o quarto do alojamento com o Iago e logo nos tornamos amigos e o entrosamento veio fora e dentro de campo; com a dupla de ataque do Rápido, os títulos vieram e o olhar de clubes maiores também, consequentemente. Em 2000, já havíamos feito boas campanhas em dois regionais e ganhado títulos em 5 distritais, para as proporções do clube eram feitos incríveis.
Em junho de 2001, Manuel Ouriño que já me assessorava, falou que olheiros do Celta lhe informaram que entrariam em contato comigo e com o Iago em breve, estava tudo acertado, eles assistiriam o próximo jogo contra o sub-15 deles e nos integrariam.
Dia de jogo, nos concentramos para afastar o nervosismo e encarar como se fosse mais um, íamos arrebentar, éramos os melhores, sem modéstia. Mas a coisa não saiu como esperado, ou melhor, saiu mais ou menos. O que aconteceu foi que eu joguei o fino da bola que aprendi e exibi por todos os meus anos de futebol, ofusquei o também craque Iago Aspas e eles quiseram me levar apenas, porém sabendo da minha amizade com Iago, só fui informado disso no dia de assinar a papelada em Vigo. Não tive o que fazer, apenas torcer para que desse tudo certo para ele.
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No primeiro treinamento em A Madroa, centro de base do Celta, tive a sensação da realização, estava em um clube gigante, entre os melhores da Espanha. Lá também tive outra surpresa, encontrei Jonathan, Jonathan Pereira como já era chamado, amigo de infância da época de Pontevedra, mais uma amizade fortalecida, tínhamos potencial para ir longe. Os meses se passaram, chegou 2002, estava bem no Celta e com tudo certo para subir ao sub-17, me firmei como centro-avante titular, Jonathan também titular atuava na ponta-esquerda. Durante todo esse tempo, cobrava de Ouriño informações sobre o Iago, ele desconversava mas garantia que ele estava bem no Rápido de Bouzas, eu podia ter certeza que Aspas cabia no Celta para a nossa ponta-direita e em um sonhado trio de ataque. Porém, acabei descobrindo que não era bem verdade o que foi contado pelo Ouriño, o Rápido havia fechado a sua base até o sub-17 há 2 meses, contestei isso ao meu assessor e ele confirmou dizendo que não assessorava mais o Iago que havia retornado a Moaña, sua cidade natal. Me indignei com o fato, Iago Aspas tinha se tornado um irmão nos anos que jogamos juntos, prometíamos que jogaríamos juntos no profissional um dia e qualidade tínhamos. O Celta não fazia testes e peneiras há 3 anos e a única porta de entrada era por outros times e campeonatos. Visitei o Iago e prometi que faria algo por ele pedindo que treinasse e estivesse pronto para jogar no Celta comigo, era uma promessa sem lógica e com muita incerteza, mas com convicção. Fui até o Balaídos e encontrei um diretor do profissional de futebol, Juan Portada, falei que precisava falar com ele sobre assuntos do meu time de base, só assim teria chance para conversar. Lá abri o jogo dizendo que ele tinha que dar a chance a um jogador e que ele fizesse a exceção para um teste, prometi minha carreira que o jogador seria um futuro craque e daria muitas alegrias ao time celeste. Fui ouvido e acabava de mudar o futuro em proporções inimagináveis.
Iago Aspas fez o teste e impressionou a todos, foi chamado e assinou contrato, "João, eu te devo a vida, amigo, você me salvou" "Não exagera, você é merecedor, voa moleque, a gente vai voar do Celta para o mundo" "De Pontevedra né haha". Assim, com apenas 15 anos, eu, Iago e Jonathan vestíamos a camisa do Celta e integrávamos o sub-17. Lá ficamos até 2004, não demorou para subirmos aos titulares do time, ganharmos títulos e olhares do time de cima. Jonathan recebeu uma proposta do Villarreal e partiu, estreando como profissional no mesmo ano pelo Villa B. Eu e Aspas permanecemos no Celta e subimos ao sub-20.
Primeiro contrato profissional: Julho de 2005, fui chamado e informado pelo Ouriño sobre a ascensão ao Celta de Vigo B, que jogaria a terceira divisão. Era mais uma realização na minha vida, estava chegando a hora de mostrar ao que vim. Dessa forma, passei as primeiras rodadas no banco até que minha estreia profissional foi contra o Pontevedra CF em 05/11/2005, não poderia ser mais especial, justamente contra o time da minha cidade, foram apenas 14 minutos em campo que não evitou a mudança no placar em 2-1 para o adversário (detalhe: gols do Pontevedra marcado pelos brasileiros Yuri de Souza e Charles Dias, este que atualmente joga no Eibar com passagem pelo Celta). E quatro rodadas depois veio a primeira chance como titular, era contra o Leganés.
A tragédia: o jogo era em A Madroa, e era um dia especial, queria que fosse inesquecível... e foi! Com apenas 2 minutos de jogo, recebo um cruzamento e de cabeça faço 1-0 para o Celta B, primeiro gol como profissional, via tudo subindo à cabeça, daqui pra frente é só sucesso, a 9 do time A já cabe em mim. Porém, no minuto 12 de partida, era meu minuto 58 como jogador profissional, recebo, domino a bola, protejo, gingo com o corpo e caio no chão, uma dor descomunal e to quase apagando... era meu joelho. Rompeu, vejo tudo turvo e nem controlo meus gritos de dor. Sem mais detalhes, era o fim da minha carreira.
A notícia chegou a mim no dia seguinte, precisava de uma operação, os médicos tentaram me animar dizendo que em 6 meses eu poderia estar de volta, os dirigentes por outro lado não queriam renovar meu vínculo para a temporada 2006-07 e foi o que aconteceu. Não renovaram e apenas cumpriram a promessa de subsidiar os custos do tratamento até o fim, mas fiquei sem clube. Os 6 meses se passaram, o contrato acabou e a lesão não dava trégua, o tratamento passou para 12 meses, depois 18, o Celta de Vigo me ofereceu emprego no clube, fui de assistente social à roupeiro, aceitava qualquer coisa para permanecer por lá, minhas esperanças de retorno ao futebol foram acabando. Vi surgir um craque chamado Iago Aspas, sempre me incentivando, continuamos irmãos sempre.
Enquanto passava o tempo, passei a estudar futebol, que nunca deixou de ser minha paixão, fiz diversos cursos, meu trabalho era no Celta e passei a ter tempo para estudar, minha vida era futebol, mesmo depois de tudo nunca deixei de me sentir um privilegiado. Mas nunca deixou de ser difícil também, a promessa de melhora na vida da minha família nunca aconteceu, eles nunca deixaram Pontevedra, cidade que com passar dos anos parecia que nunca mudava, as mesmas pessoas, a vida simples, nunca sofremos também. Somos abençoados sim!
Apesar de tudo isso, o Celta passava momentos difíceis, foram 6 temporadas na segunda divisão logo após minha contusão, dentro do clube eu passei para assistente fixo, uma espécie de 3º assistente, ficava no banco em jogos no Balaídos, não tinha muita influência porém passava dados e análises por vezes relevantes.
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Em 2012 foi o ano do retorno, voltamos a primeira divisão no comando dele... Iago Aspas. Juan Portada foi o cidadão que mais me apoiou todo esse tempo e me "bancou" no Celta de Vigo, ele que passou a ser diretor de futebol, disse que eu tinha a visão de grande treinador "sem você não existiria Iago Aspas, lembre-se disto" "sem você também diretor". 2012-13 foi aquela temporada de tirar o fôlego, encravado na zona de rebaixamento do início ao fim, até que na 38ª rodada, o milagre nos salvou e rebaixou o Deportivo La Coruña, como nos sonhos. O nome da salvação? Iago Aspas... e a proposta de transferência veio. €9mi do Liverpool, já eram 14 anos como amigos-irmãos e na hora de desejar tudo de bom e sucesso na Premier League, eu também recebi uma proposta, dele! Um apartamento na Inglaterra, estágio no Liverpool, segundo ele era a hora da compensação, pois ele ainda me devia muito, por isso ele fez questão de fazer esse acordo na negociação.
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Com isso, fiquei 6 meses fazendo estágio em Kirkby, academia do Liverpool, até que em janeiro de 2014 fui contratado para ser assistente do sub-21. Já tinha um inglês quase nativo, olha a modéstia... hahaha. No final da temporada, Iago Aspas se despediu finalmente, mas agora com internet tá tudo certo, partiu para o Sevilla. Eu permaneci, e com a saída de Alex Inglethorpe, assumi como treinador para temporada 2014-15. Fizemos uma ótima Development League, mas acabamos com o vice, apenas atrás do Manchester United, alguns destaques foram aparecendo e meu trabalho era esse. João Teixeira, Jordon Ibe, Brannagan, Ilori, entre outros passaram pelo meu trabalho. Trabalhei no Liverpool até junho desse ano (2016), até que recebi uma proposta desafiadora e com trabalho no profissional. Pensei, pensei, pensei e aceitei. Estou falando do Blackpool FC e agora a minha carreira vai começar de fato!
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